A inventora do Wi-Fi
Hedy Lamarr, a ‘mãe do wi-fi‘ que fugiu do nazismo para virar inventora e estrela em Hollywood.
Dos diversos filmes protagonizados por Hedy Lamarr, estrela do cinema hollywoodiano nos anos 1940, nenhum teve enredo tão cativante quanto a vida da própria atriz. Era judia, casou-se com um fabricante de armas alemão, fugiu do casamento para os Estados Unidos, tornou-se uma das atrizes mais bem pagas de sua época e inventou um sistema de comunicações de torpedos que hoje é a base para tecnologias como Wi-Fi e Bluetooth. O dia do seu nascimento, 9 de novembro, foi instituído na Alemanha como o Dia do inventor, em sua honra.
Hedy Lamarr, nome artístico de Hedwig Eva Maria Kiesler, nasceu em Viena, 9 de novembro de 1914, morreu em Altamonte Springs, 19 de janeiro de 2000, foi uma atriz e inventora austríaca radicada nos Estados Unidos. Em 28 anos de carreira, participou de mais de 30 filmes e fez uma importante contribuição tecnológica durante a Segunda Guerra Mundial, uma co-invenção, com o compositor George Antheil, um sistema de comunicações para as Forças Armadas dos Estados Unidos que serviu de base para a atual telefonia celular. Em reconhecimento do valor de seu trabalho e da importância da tecnologia por ela inventada, seu nome foi postumamente inserido no National Inventors Hall of Fame em 2014.
Hedy nasceu como Hedwig Eva Maria Kiesler, era a filha única de Gertrud Lichtwitz Kiesler (1894–1977), uma pianista de família judaica de Budapeste, vinda de uma família de classe média, e de Emil Kiesler (1880–1935), gerente financeiro de um grande banco de Viena. Seu pai nasceu em uma família de judeus da Galícia em Lemberg, hoje a cidade de Lviv, na Ucrânia. Ainda que sua mãe tivesse origem judaica, Gertrud se converteu ao catolicismo por influência de seu primeiro marido e acabou criando Hedy como católica, ainda que ela não tivesse sido formalmente batizada.
O interesse na atuação veio desde cedo, quando Hedy, ainda criança, assistia a peças de teatro e filmes. Estudou balé e piano até os 10 anos e, aos 12 anos, ganhou um concurso de beleza em Viena. Hedy era muito ligada ao pai, com quem tinha conversas sobre política, ciência e tecnologia. Emil Kiesler sofria de problemas cardíacos e veio a falecer em 1935, em recorrência da doença, mas antes foi uma grande inspiração para a filha. . Depois da anexação da Áustria pela Alemanha, Hedy, que já morava nos Estados Unidos, ajudou a mãe a sair da Áustria e se mudar para o Canadá e depois para os Estados Unidos, onde se tornou cidadã norte-americana.
No começo de 1933, aos 18 anos, Hedy recebeu o papel principal no filme Ecstasy, onde ela interpreta uma mulher negligenciada pelo marido mais velho e pouco afetuoso. O filme se tornou lendário e polêmico por mostrar algumas cenas de nudez e closes de partes de seu corpo. Quando se interessou pelo papel, Hedy entendia pouco sobre filmagens e, ansiosa pelo trabalho, assinou o contrato sem ler o roteiro. Com isso, durante as gravações percebeu que não concordava com algumas cenas e chegou a ameaçar se demitir do papel. Quando informada que para a demissão ela teria que pagar o custo de todas as cenas anteriormente produzidas, ela desistiu. Na estreia do filme, em Praga, Hedy saiu do cinema em prantos, pensando em seus pais e que sua carreira de atriz iria acabar. Ainda que seguisse inconformada com a forma como foi tratada na produção, Ecstasy ganhou notoriedade e foi premiado em Roma, assegurando seu sucesso por toda a Europa. Nos Estados Unidos, porém, o filme foi banido por ser considerado imoral. Depois, também foi banido na Alemanha, por conta da ascendência judaica de Hedy.
Em 10 de agosto de 1933, aos 18 anos, Hedy se casou com Friedrich Mandl, um fã de 33 anos que acabara de se divorciar. Mandl era filho de um judeu e de uma católica, mas insistia que ela se convertesse ao catolicismo antes do casamento deles na catedral de Karlskirche, em Viena. Mandl era descrito como sendo um marido controlador e possessivo, que impediu que Hedy continuasse sua carreira de atriz depois do casamento. Hedy relatou que foi tratada como prisioneira do próprio marido em uma das residências do casal, o castelo de Schwarzenau, perto da fronteira com a Chéquia.
Hedy acompanhava Mandl em festas e reuniões, onde ele trabalhava com cientistas e outros envolvidos na tecnologia armamentista. Nestas reuniões, Hedy começou a se interessar pela ciência aplicada e começou a ler livros e compêndios que existiam na biblioteca da mansão de Mandl. Em 1937, ela fugiu de seu marido, mudando-se para Paris e depois se refugiando em Londres. Hedy fugiu disfarçada de empregada.
Em Londres, conheceu Louis B. Mayer, diretor dos estúdios Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), que lhe ofereceu um contrato em Hollywood. Mayer convenceu ela a mudar seu nome, a fim de distanciá-la da atriz de Ecstasy. Foi a esposa de Mayer, Margaret, quem sugeriu o sobrenome “Lamarr” em homenagem à uma atriz do cinema mudo, Barbara La Marr. Hedy chegou a Hollywood em 1938, sendo midiaticamente promovida como a “mulher mais bonita do mundo”, e servindo de inspiração para Walt Disney desenhar a Branca de Neve, “a mais bela”.
Cansada de sempre trabalhar nos mesmos papéis – de mulher glamorosa e sedutora de origem exótica -, Lamarr co-fundou um novo estúdio. Seu grande sucesso foi no papel de Dalila no longa de Cecil B. DeMille, Sansão e Dalila (1949). Seu último filme foi The Female Animal (1958). Hedy foi homenageada com uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood, em 1960. O fato de nunca ter papéis desafiadores a aborreciam e ela teria se voltado para a ciência e tecnologia, sem nem imaginar que um dia viria a ser uma grande inventora.
Durante a Segunda Guerra Mundial, criou um sofisticado aparelho de interferência em rádio para despistar radares nazistas que patenteou em 1940, usando o seu verdadeiro nome, Hedwig Eva Maria Kiesler. A ideia surgiu ao lado do compositor George Antheil em frente a um piano. Eles brincavam de dueto, repetindo em outra escala as notas que ele tocava, experimentando o controle dos instrumentos, inclusive com a música para o Ballet Mécanique. Ou seja, duas pessoas podem conversar entre si mudando frequentemente o canal de comunicação. Basta que façam isso simultaneamente. Juntos, Antheil e Lamarr submeteram a ideia ao Departamento de Guerra norte-americano, que o recusou, em junho de 1941. Em agosto de 1942, foi patenteado por Antheil e “Hedy Kiesler Markey”. A versão inicial consistia na troca de 88 frequências e era feito para despistar radares, mas a ideia pareceu difícil de realizar na época.
O projeto não foi concretizado até 1962, quando passou a ser utilizado por tropas militares americanas, numa missão em Cuba, de maneira adaptada, pois sua patente já havia expirado. A invenção ficou desconhecida até meados de 1997, quando a Electronic Frontier Foundation deu a Lamarr um prêmio por sua grande contribuição. A ideia do aparelho de frequência de Lamarr e Antheil serviu de base para a moderna tecnologia de comunicação, tal como COFDM usada em conexões de Wi-Fi e CDMA, usada em telefones celulares. Patentes similares foram registradas por outros países, tais como a Alemanha. Considerada a “mãe do wi-fi“, por ter patenteado a ideia de uma frequência que fosse variável no percurso entre emissor e receptor, a atriz e inventora não ganhou qualquer dinheiro com isto.
Lamarr se tornou cidadã norte-americana aos 38 anos, em 10 de abril de 1953. No final da década de 1950, Lamarr se casou novamente com W. Howard Lee, juntos abriram um resort de ski, chamado de Villa LaMarr, em Aspen, no Colorado. Depois do divórcio do casal, seu marido acabou ficando com o resort. Em seus últimos anos, a atriz viveu reclusa em sua casa, em Casselberry, região metropolitana de Orlando. Ela recusou vários roteiros, comerciais de televisão e peças de teatro, dizendo que nenhum deles lhe interessava. Com problemas de visão, Hedy Lamarr se retirou da vida pública e se estabeleceu em Miami Beach, na Flórida, em 1981.
Em 1996, uma grande imagem de Lamarr ganhou o concurso da CorelDRAW naquele ano para a capa da caixa do produto. Por muitos anos, a partir de 1997, todas as caixas do programa vinham com uma ilustração baseada em uma foto de Lamarr. Ela processou a empresa, alegando que eles usaram sua imagem sem autorização, mas a Corel alegou que Lamarr não tinha os direitos daquela foto. O processo terminou em um acordo em 1999.
O único lucro que Lamarr obteve com sua invenção foi em 1997, quando a companhia canadense WiLAN propôs um acordo com ela para adquirir 49% dos direitos de marketing de sua patente, enquanto ela continuava com 51%. Ela logo ficou muito amiga do presidente da companhia. Ainda em 1997 Lamarr recebeu o prêmio EFF Pioneer Award.
Hedy Lamarr morreu em Casselberry, na Flórida, em 19 de janeiro de 2000, aos 85 anos. O atestado de óbito cita, como causas da sua morte, insuficiência cardíaca. Conforme era seu desejo, seu filho, Anthony Loder, levou suas cinzas para a Áustria e espalhou-as nos Bosques de Viena. Em 2014, um túmulo simbólico foi construído no Cemitério Central de Viena e ela foi introduzida ao National Inventors Hall of Fame.
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